O ultradireitista Javier Milei enviou esta quarta-feira ao Congresso um projeto de lei que declara o país em “emergência pública” e inclui 664 artigos que alteram fundamentalmente boa parte da estrutura política, social e económica da Argentina. O lei geral, Como é chamada pela sua extensão e variedade de temas, envolve a transferência para o poder executivo de amplos poderes legislativos em questões econômicas, financeiras, previdenciárias, fiscais, de saúde e até mesmo eleitorais. O projeto, que será discutido em sessões extraordinárias do Congresso, inclui também um endurecimento das sanções contra os protestos sociais. Milei pretende que qualquer “congregação intencional e temporária de três ou mais pessoas” seja considerada uma manifestação punível com até seis anos de prisão se impedir a livre circulação ou a prestação de serviços públicos.
O texto enviado ao Congresso, a iniciativa política mais contundente de Milei desde que assumiu o poder na Argentina, no início do mês, alerta que qualquer manifestação deve ser avisada com antecedência e o Ministério da Segurança pode se opor ou propor mudanças. Além disso, os organizadores sociais devem declarar quem são os responsáveis pelas convocações para facilitar sua identificação caso mereçam sanções penais. O projeto dá forma ao protocolo antiprotesto assinado há duas semanas pela ministra da Segurança, Patricia Bullrich.
Ao projeto de lei apresentado na quarta-feira somam-se outras ações anteriores que aumentaram o descontentamento social durante as primeiras três semanas na Casa Rosada. Primeiro, foi o decálogo de medidas económicas anunciado pelo ministro da Economia, Luis Caputo, que desvalorizou a moeda em 50% e anunciou a eliminação dos subsídios aos transportes e à energia a partir de Janeiro, entre outras medidas. Esta semana, o Governo também anulou os contratos de pelo menos 5 mil funcionários do Estado, após assinar um decreto com centenas de reformas que, segundo leitura do Executivo, não precisaram passar pelo Congresso.
Na lista de reformas propostas pelo projeto legislativo, pomposamente chamado de “Lei de bases e pontos de partida para a liberdade dos argentinos”, está o poder do Executivo de privatizar cinquenta empresas públicas, o fim das eleições primárias dos partidos e uma reestruturação da Câmara dos Deputados que facilita a agregação de parlamentares à segunda e terceira forças eleitorais, como é atualmente o partido do governo, La Libertad Avanza. A lei, se aprovada, intervém em todos os tipos de questões. As universidades públicas gratuitas, por exemplo, poderão cobrar dos estudantes estrangeiros pela sua formação; Também promove a lavagem de grandes fortunas que há anos sonegam impostos.
A proposta de Milei declara o país em situação de “emergência pública” até 31 de dezembro de 2025. Este longo período também pode ser prorrogado por mais dois anos, o que cobriria todo o mandato do presidente. É esta situação de suposta emergência pública que permite ao Governo assumir competências que correspondem ao poder legislativo. A Constituição argentina impede esta transferência de competências “exceto em questões específicas de administração ou emergência pública, com prazo determinado para o seu exercício e dentro das bases da delegação que o Congresso estabelecer”.
Protestos sindicais
A Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) e a Central de Trabalhadores da Argentina (CTA), principais centrais sindicais do país, reuniram-se esta quinta-feira para avaliar os próximos passos contra as reformas de extrema-direita e anunciaram greve para 24 de janeiro. Nesse dia, eles testarão mais uma vez o protocolo de controle de protestos implementado para evitar o fechamento de ruas. Já o fizeram esta quarta-feira, quando mais de 20 mil pessoas, segundo os organizadores, realizaram a primeira manifestação de força dos sindicatos. Era inevitável que os participantes caíssem na calçada devido ao tamanho do encontro e a mobilização terminou em tensão.
“Defina a data! “Defina a data!” Ela se ouviu durante o comício desta quarta-feira. A exigência foi dirigida aos sindicatos, aos quais os manifestantes exigiram que convocassem uma greve geral. Os sindicatos têm estado a “medir o termómetro”, segundo disseram fontes organizacionais a este jornal, e a definir as suas estratégias com prudência. Rodolfo Aguiar, secretário nacional da Associação dos Trabalhadores do Estado, que integra a CTA, avaliou antes do anúncio da greve geral que “estão reunidas as condições para uma greve”.
“Os trabalhadores esperam que os seus representantes possam unir forças e esperamos que os dirigentes centrais estejam à altura da situação”, exortou Aguiar, que disse ao EL PAÍS que “o tempo está do lado de Milei” porque o decreto de necessidade de emergência imposto pelo extremo -direito entra em vigor na sexta-feira. O pacote de reformas pode ser travado no Congresso ou nos tribunais, mas até que isso aconteça, as medidas serão leis. Além da lei geral Começará a ser discutido pelo Congresso em sessões extraordinárias.
Para os partidos e movimentos de esquerda, o apelo à greve era premente. Na quarta-feira apoiaram a manifestação, mas de outro lugar da praça, em coluna independente. “Viemos exigir a greve nacional e o plano de luta, que corresponda à gravidade da situação”, disse Eduardo Belliboni, líder do Polo Obrero, durante o comício. Para Guillermo Kane, legislador e líder do Partido Obrero, a marcha nada mais foi do que “simbólica”. “Precisamos de ações fundamentais”, exigiu o político. “A CGT, que não faz greve há quatro anos, não tem desempenhado um papel na defesa ativa dos trabalhadores”, afirmou o legislador.
Diferentes organizações, movimentos e partidos políticos já alertaram que continuarão a mobilizar-se contra medidas que consideram uma “disponibilidade” dos seus direitos. Não só nas ruas. Nas últimas semanas, diferentes setores – vizinhos organizados e autoconvocados – têm realizado assembleias por todo o país, cacerolazos e panelas populares para oferecer alimentos às pessoas que necessitam. O governo de extrema-direita enfrenta uma longa temporada de mobilizações e resistências, mas também está confiante no apoio que as sondagens lhe deram.
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